15 de Julho de 2013
Sobre a floresta amazônica, estas nuvens (acima) que não ameaçam. Foto: CIFOR/Flickr.
|
Como bem se sabe, nuvens negras sobre a Amazônia é fato comum. Elas
pressagiam tormentas e chuvas pesadas. Porém, agora há outras nuvens,
bem mais densas e certamente muito mais perigosas. Fala-se da intenção
de abrir a Amazônia ao cultivo de cana de açúcar para fabricação de
álcool combustível e da obviamente bem articulada arremetida da
presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária contra as
terras indígenas e as áreas protegidas. Mas não é só isso. Após vários
anos
falando sobre os horrores da exploração informal de ouro no Peru, fica bem claro que a situação é pior no Brasil. E tem mais.
Como sempre, poucas semanas após as declarações triunfalistas do governo sobre a
diminuição do desmatamento na Amazônia do Brasil surge o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), demonstrando que, após a calmaria do ano passado, o
desmatamento teve em maio deste
ano, uma alta de aproximadamente 370% em relação ao mesmo período de
2012 e que, desde agosto passado, a perda florestal alcançou 2.337,78
km², ou seja, 35% a mais do que no período anterior. É um ritual que se
repete há décadas e, queiram ou não, com inflexões para baixo e outras
para cima, o desmatamento continua em alta. Nada de novo. Apenas cabe ao
governo ser mais prudente e ponderado nas suas declarações.
Congresso quer permitir cultivo de cana-de-açúcar na Amazônia
À primeira vista pode-se acreditar no argumento “ambientalista” de que
só se usariam áreas previamente desmatadas e de savana. Mas o argumento é
tão velho quanto falacioso.
|
De todas as nuvens carregadas que se concentram sobre a Amazônia, a
pior, sem dúvida, é a intenção de reabrir a Amazônia Legal para o
cultivo industrial da cana. Esta, que nunca prosperou muito na região,
foi proibida durante o governo anterior, mas, agora, possivelmente em
consequência das noticias pouco alentadoras sobre a possibilidade
técnica e econômica de explorar o Pré-Sal, os interesses do setor
agropecuário encontraram o momento propício para voltar à carga contra a
Amazônia. Com efeito, a Comissão de Meio Ambiente do Senado, em
absoluta contradição com o que dela se espera,
aprovou a proposta de autorizar a plantação
“em zonas desflorestadas ou de savana” embora excluísse ocupar áreas
com floresta nativa. O argumento foi que há necessidade de aumentar a
produção de cana para atender as demandas futuras de etanol e açúcar e
“garantir o desenvolvimento da Amazônia”.
À primeira vista pode-se acreditar no argumento “ambientalista” de que
só se usariam áreas previamente desmatadas e de savana. Mas o argumento é
tão velho quanto falacioso. Se, por exemplo, para plantar cana se
aproveitam áreas previamente usadas para a pecuária cabe perguntar aonde
vai o gado que existia nelas. A resposta é elementar. Irá para áreas
frescamente desmatadas, legal ou ilegalmente. O mesmo acontece com a
agricultura tradicional pré-existente que é simplesmente empurrada sobre
a mata. Existem dúzias de estudos que demonstram esse processo com
terras previamente usadas em agricultura ou em pecuária. O tema das
savanas, na verdade formações de cerrado dentro da selva, é igualmente
um truque já que, em termos de salvaguarda da diversidade biológica,
elas são tão ou mais importantes que a mata nativa.
Em apoio a essa intenção apareceu, com muita publicidade, a afirmação
feita pela presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária
que, para assustar a todos, entre outras asseverações esquisitas, diz
que “Se continuarmos aumentando essas áreas (unidades de conservação e
terras indígenas), a exemplo dos governos anteriores, diminuiremos a
área de produção do país em quase 50 milhões de hectares. Mantendo essa
média, em 2031 o país terá perdido todas as áreas de produção agrícola e
em 2043 todo o território nacional seria ocupada por unidades de
conservação e terras indígenas” gerando, sempre segunda ela, perdas
bilionárias.
Em primeiro lugar, ela lança uma especulação fora da realidade. Embora
ainda seja preciso ampliar as terras indígenas e as áreas protegidas,
não existe nenhuma previsão, bem ao contrário, de que se mantenha nos
próximos 20 anos a média de estabelecimento das décadas anteriores. Além
do mais, não está proibido fazer agricultura nas terras indígenas, nem
em muitas das unidades de conservação de desenvolvimento sustentável,
como nas “áreas de proteção ambiental”. A afirmação tampouco parece
levar em conta que grande parte das áreas protegidas e reservas
indígenas se estabelecem em terras que não têm capacidade
agriculturável. Pior ainda, essa diatribe esquece que as áreas
protegidas são indispensáveis para conservar as fontes de água e a
diversidade biológica, inclusive a de interesse agropecuário e que, as
terras indígenas são um ato de justiça social. Enfim, isso mais parece
terrorismo verbal e é óbvio que está orquestrado em apoio à iniciativa
de abrir a Amazônia ao cultivo de cana de açúcar. Igualmente é parte da
mesma campanha a declaração da União da Indústria de Cana-de-Açúcar
(Unica) de que nos próximos oito anos o aumento da
demanda determinará a necessidade de construir pelo menos 100 novas usinas.
Uma nuvem chamada garimpo
Embora a situação no rio Madre de Dios, no Peru, é ruim, ela se
apresenta por igual e multiplicada por muitas vezes em toda a Amazônia
do Brasil.
|
Outra nuvem negra é a do crescimento desmedido, bem pouco comentado por
ser tão corriqueiro, do garimpo de ouro de aluvião. Contudo, para nos
despertar, foi divulgada recentemente a informação de que
cerca de três mil garimpos clandestinos
ameaçam unidades de conservação, reservas indígenas e rios apenas na
região do Tapajós, no Sul do Pará. Em cada um, trabalham de dez a cem
homens, mas alguns chegam a ter 500. Só num trecho de dois quilômetros,
há 63 dragas cavando o leito do rio Tapajós em busca de ouro. Isso é
apenas um exemplo que lembra a todos que, embora a
situação no rio Madre de Dios, no Peru, é ruim, ela se apresenta por igual e multiplicada por muitas vezes em toda a Amazônia do Brasil.
Pior ainda, além da construção de grandes centrais hidroelétricas em
quase todos os rios importantes da Amazônia Legal, como no caso de Belo
Monte, no Xingu, agora parece que vai ser licenciada a implantação do
projeto Volta Grande, da transnacional Belo Sun, muito perto da
barragem, cuja energia obviamente aproveitará. Volta Grande poderá ser a
maior exploração de ouro a céu aberto da Amazônia que, em 11 anos de
exploração, deve revirar umas 38 milhões de toneladas de minério. Não há
dúvida que terá menos impacto que os mineradores informais, entretanto
os impactos se somam.
Terras-raras, a nova corrida do ouro
E vem mais: Depois de abandonar a produção dos metais de terras-raras em
meados da década de 1990, o governo viu os preços dispararem no mercado
mundial e voltou a investir no setor. Anunciou recentemente
investimentos iniciais de 11 milhões de reais em quatro anos para a
exploração de terras-raras. O valor inclui o mapeamento das jazidas, os
estudos de viabilidade da exploração e a capacitação de técnicos. E esse
valor ainda pode aumentar. Mas, grande parte dos depósitos está em
unidades de conservação e reservas indígenas ou em terra coberta de
florestas e, sua extração pode gerar material radioativo, o que tem sido
alvo de protestos de ambientalistas pelo mundo.
O que o povo e o governo do Brasil decidam fazer, finalmente, com as
novas situações descritas é fundamental para o seu próprio futuro e,
também, para o da Amazônia como um todo. O Brasil é o exemplo mais
seguido pelos demais países da região. Uma vez mais, se insiste em que
não se trata de não fazer, mas, de fazer bem, com juízo e prudência, e
de transformar a ameaça dessas nuvens negras em uma a mais dessas
simples e frescas chuvas que todos, na Amazônia, gostam.