Jair Eloi de Souza*
Não
posso inibir meu livre pensar, e me furtar de dizer ao primeiro leitor deste
texto, que nesta noite de última lua cheia novembrina, estou abraçado a minha
insignificância de escriba, ante o cansaço do corpo e da alma, em razão ter
vivido uma semana enfrentando as velhas travas da vida. Mas, não tenho o
direito à comunhão da inércia e do indiferentismo, e assumir a condição de
filho ingrato, ante a agonia de um velho pai, de cabelos brancos, sem adereços
em sua silhueta, pois, perdera o limbo, as ilhas, os lagamares, suas croas que
sempre costumava afagar com esmero, para que os margeantes pudessem plantar e
colher, o feijão, o milho e a melancia. Você que tantas vezes, fez minha
saudosa mãe acordar-me da primeira madorna, e em cochicho maternal e salvador,
dizer: “acorde, venha jantar, seu pai trouxe
peixe do lagamar de Joaquim de Anália, já cozinhei e fiz um pirão”. Doce
recordação. O Piranhas foi palco do meu desasnamento para enfrentar as águas, Neste
aprendi a nadar. Era no seu leito, que todos os dias colhia uma bacia de
coentro e em molhos, de casa em casa, todas as manhãs, vendia para ajudar na
compra do material escolar. No abril chuvoso, quando as águas estavam
barrentas, dormia no barranco em areia fria, e no quebrar da barra, usando iscas de minhoca pescava cangatís, o
melhor de todos os bagres, principalmente em cozimento com maxixe de primeira
chuvada.
Mas, o que está acontecendo com o Velho
Piranhas? Maldade. Os desavisados do tempo ignoram a bondade da velhice, não
permitem nem que lacrimeje mais. Aliás esse velho, cujas lágrimas sempre
banhavam o santuário da mãe natureza, seus olhos estão secando. A vida que ele
leva, é de penitente. Sangra por seus últimos regatos, algo diferente de suas
cristalinas lágrimas. Nota-se um colorido acre, ferrugento, avermelhado, como o
cenário do filme “O Pirata do Rio Vermelho”. Não sei o tamanho de sua saudade
dos velhos tempos. Quando tinha a companhia de centenárias oiticicas,
umarizeiros, canafístulas, ingazeiras. Estas árvores frondosas protegiam o
barranco em massapé roxo. Era neste local que o cangatí, a piranha nas suas
versões: beba, preta e vermelha, fazia suas furnas gelatinosas, verdadeiros
coitos para descanso. O Velho Piranhas, não escuta mais o canto agudo do
xéxeu-bico-osso, esqueceu o vôo majestoso da Garça-parda, o pato de crista com
sua imponência tomou rumo dos alagadiços do Maranhão. Chego mesma a conclusão,
o canto triste de suas antigas cachoeiras, é uma sinfonia do passado. Por isso,
esse já alquebrado escriba, ponteia em sonhos de viola, a melancolia desse arroçoado, porém teimoso rio, nos versos que lhe convém afagar:
I
Quem me dera poder navegar sozinho,
Calado, sutil, porém sem companhia,
Beijando as margens, e seguir destino,
Ancorando no mar de minhas ilhas.
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II
Trambecando no meu leito destruído,
Chorando na dor que me corrói,
Minhas lágrimas caindo, amor traído,
Sem saber a razão que me destrói.
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III
No remanso, procuro a solidão,
Na batéia da vida, às vezes choro,
Penso, se
nasci na contramão!
Errado, nem sei, não me recordo.
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IV
Ser pintado de cores diferentes,
Logo eu, vim de grota cristalina,
Borrifada por nimbos do nascente,
Cuja mata situa-se na caatinga.
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V
Sou teimoso,
não aceito a minha morte,
Se vadeio em leveza na forma soberana,
Em reproche, não aceito a triste sorte,
Maltratado, da própria espécie humana.
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VI
Minhas oiças não perderam a puberdade,
Nem meu eco no templário da Justiça,
Nasci livre, vagueio, respiro a liberdade,
No meu pranto, por viver em triste lida.
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VII
Se estou sujo, doente e encoivarado,
Não matei, não roubei, nem fiz chacina,
Meu viver, mal viver, sempre alugado,
Sou o banho dos pobres ou a piscina.
|
VIII
No meu choro, as lágrimas ainda podem,
Matar a sede, esperar meu co-irmão,
Em silêncio, espero os que me acodem,
No outono da vida, pranteio a solidão.
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O pêndulo do tempo anuncia que os
sinos de Belém, estão próximos a repicar, é Natal/ em lua cheia
dezembrina/2012.
*
É Professor do Curso de Direito da UFRN.
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