segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Reservatórios de usinas no Norte ocuparão área 3 vezes maior que SP

O cálculo refere-se à capital paulista. A construção de usinas na região começa nos rios que formam o Tapajós.

Ciro Porto Rio Tapajós, PA


Amanhece na Floresta Amazônica. O sol, fonte de energia, clareia a vida. Em vários pontos da mata, outras fontes brotam da terra. A água surge tímida nas nascentes. Escorre morro abaixo. Devagar, vira riacho. Desliza em ribeirões. Há igarapés. Ressurge nos leitos. Irriga e abriga a vida nas mais diversas formas. Transforma-se em rios e mostra toda a força em corredeiras e cachoeiras. Flui. Mistura. A água é vida, mata a sede e refrigera a alma. E mesmo quando não nos lembramos dela, está bem presente em nosso dia. Afinal, se temos o conforto da energia elétrica para mexer no computador, como você agora, isso se deve, na maioria das vezes, à força da água que movimenta as turbinas nas usinas hidrelétricas.
Todo rio nasce pequeno, cresce e segue para o mar. Para se produzir energia, é preciso barrar essa sequência natural. O Rio Tapajós é um dos mais bonitos da região amazônica. No local, vai ser construída a usina de São Luiz, uma das 22 usinas previstas para região Norte até o ano de 2019. Represar rios com barragens pode trazer desenvolvimento, mas tem dois custos: um econômico e outro ecológico que ninguém consegue calcular. Só a construção desta usina vai alagar parte de uma reserva, o Parque Nacional da Amazônia.
A construção de usinas nessa região começa nos rios que formam o Tapajós. No Teles Pires estão previstas quatro. No Juruena, cinco. No Tapajós, três usinas: Jatobá, São Luiz e Chacorão. E no Rio Jamanxim, mais quatro. Os reservatórios dessas usinas, se somados, vão ocupar uma área de cerca de cinco mil quilômetros quadrados. Praticamente três vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
São áreas de proteção ambiental, de florestas e de dois parques nacionais. A 3 mil quilômetros do Parque Nacional da Amazônia, uma expedição se prepara em Pirassununga, interior de São Paulo. No Centro de Pesquisas e Conservação de Peixes Continentais, biólogos e outros pesquisadores do Instituto Chico Mendes têm uma difícil missão: procurar maneiras de minimizar o impacto ambiental que a construção de barragens vai causar. A expedição pega estrada ainda de madrugada. São quatro dias de viagem cruzando cinco estados. No Pará, araras azuis são o sinal da chegada à Rodovia Transamazônica, única estrada que dá acesso ao Parque Nacional da Amazônia. Estrada que será inundada em vários trechos com a construção da barragem.
“A nossa preocupação maior é ter que desviar o curso da Transamazônica e jogar mais para dentro do Parque, fazer uma nova abertura, nova destruição e novo desmatamento”, explica Maria Lúcia Carvalho, chefe do Parque Nacional da Amazônia.
Na base do parque termina a viagem e começa o trabalho. É preciso montar o acampamento e os laboratórios de pesquisa. Não demora e chega um helicóptero para dar reforço. O Parque Nacional da Amazônia é o terceiro maior do Brasil. De cima, é fácil entender por que o Tapajós tem fama de ser o mais bonito rio da Amazônia. Estamos no período mais seco e o rio revela diferentes belezas. Coleciona ilhas. As áreas de pedras formam centenas de cachoeiras e corredeiras. Cenários em constante mudança. Conforme o nível da água muda, o rio ganha nova aparência. As praias e bancos de areia produzem diferentes tons. Tudo isso com uma moldura especial: no lugar da mata ciliar, esse é um rio que se dá ao luxo de ter floresta ciliar de ambos os lados. Se não fossem os garimpos de ouro, a água não perderia nunca a cor esverdeada.
Sobrevoando o Parque Nacional, o verde se torna mais escuro e aumenta a variedade de tons. E a floresta que se perde de vista ainda guarda todas as árvores, algumas com mais de 40 metros de altura. Difícil saber qual olhar primeiro. Essa cobertura natural abriga milhares de espécies de bichos. Para conhecer alguns deles mais de perto, o Globo Repórter pousa o helicóptero na base do parque.
Enquanto o helicóptero segue para Itaituba para abastecer, vamos utilizar a Rodovia Transamazônica, que corta como uma grande cicatriz 170 quilômetros do Parque. Uma oportunidade para se perceber o equilíbrio e a harmonia da vida selvagem. Um ambiente perfeito e cheio de detalhes.
Um galho fino com pequenas raízes, pedaços de teias de aranha e algumas folhas secas: parece sujeira, mas, na verdade, é o resultado de dois dias de trabalho do que será o ninho do menor passarinho do Brasil. Ele é conhecido como caçula. Mede apenas 6,5 centímetros. É um exemplo de milhares de detalhes, frágeis, que quase ninguém percebe na Floresta Amazônica.
Para a nossa sorte, nem precisamos percorrer trilhas na mata. Encontramos um ninho às margens da Transamazônica, de onde foi possível acompanhar o passo a passo da construção. Não é uma obra de engenharia, não tem nenhum projeto, mas que engenheiro seria capaz de fazer algo tão engenhoso? Difícil acreditar que um passarinho tão pequeno já nasce sabendo escolher diversos materiais oferecidos pela floresta. E o caçula se mostra um trabalhador incansável. A cada viagem para dentro da mata e no bico vem algo diferente: às vezes, folhas maiores que ele. Outras coisas são tão pequenas que nem dá para saber o que são. Mas tudo tem alguma função: grudar, amarrar ou simplesmente enfeitar. De tão rápido, o passarinho lembra uma cigarra voando. Até o barulho das asas é semelhante. O vai e volta não para.
Ele junta tudo e dá forma ao ninho. Uma vez terminada a coleta e a fixação do material, o serviço de acabamento se restringe a abrir a câmara do ninho com o próprio corpo. Acompanhamos o trabalho do pequeno construtor por cinco manhãs. Assistimos bem de perto a mais um exemplo da perfeição da mãe natureza, que sempre oferece o que as diversas formas de vida precisam, tenham elas o tamanho que for. E, como se não bastasse esse presente que recebemos, a natureza nos deu outro - e dos grandes. Uma onça vinha pela Transamazônica justamente em nossa direção, enquanto estávamos filmando o ninho do caçula.
Nossa atenção muda de foco totalmente. A onça caminhou a passos calmos e firmes, como soberana da floresta. Mas, na estrada, soberanos são os caminhões, e o barulho de um deles faz o bicho parar. Em instantes, o maior felino do Brasil desaparece na mata. Em um mesmo dia, observar o menor passarinho do país e o maior predador da floresta é apenas uma mostra do quanto a Amazônia é sempre surpreendente

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